Em nome de Allah, o Compassivo, o Misericordioso
P – O diretor da nossa Madrassah proibiu-nos de celebrar o ‘Ide na sexta-feira, seguindo a lua de Makkah, embora a maioria dos professores estivesse disposta a fazê-lo nesse dia. Ele obrigou-nos a dar aulas na sexta-feira, impondo que o ‘Ide fosse celebrado apenas no sábado, com base na lua local. É correto esse posicionamento por parte do diretor da Madrassah?
الجواب حامدا ومصليا
R – Não, o posicionamento do diretor da Madrassah não está correto. A questão de seguir o avistamento da lua de Makkah ou o da localidade é um assunto divergente entre os Ulamá (eruditos), e ambas as posições têm base na jurisprudência Isslâmica. Em questões onde há espaço para Ijtihád (esforço interpretativo), a opinião contrária não deve ser considerada errada ou inválida.
Além disso, é importante esclarecer que a celebração do ‘Ide não é uma atividade interna da Madrassah, mas sim uma prática comunitária e religiosa que ocorre fora da sua jurisdição institucional. O fato de a Madrassah querer impor um dia específico para a celebração do ‘Ide sobre os professores e alunos, mesmo fora do ambiente escolar, ultrapassa os limites razoáveis da administração. Tal imposição fere os princípios de liberdade religiosa dentro das Madrassas e não tem base na Shari‘ah.
O diretor, sendo responsável por formar e educar os estudantes na adab (ética Isslâmica), deveria ser o primeiro a respeitar as diferenças de opinião, demonstrando tolerância e compreensão. Forçar os alunos e professores a anularem uma prática legítima do ‘Ide segundo uma opinião jurídica reconhecida, apenas para seguir uma única interpretação, vai contra os princípios de convivência pacífica e respeito às divergências dentro do Isslám.
EXEMPLO CLÁSSICO DE DIVERGÊNCIA:
Sayyiduná Ibn ‘Umar رضي الله عنه relatou:
“O Profeta ﷺ disse no dia da batalha dos Aḥzáb: ‘Ninguém deve rezar o Ṣalátul ‘Assr senão em Banu Qurayliẓah.’ Alguns foram alcançados pelo tempo do ‘Assr no caminho. Uns disseram: ‘Não vamos realizar o Salát até chegarmos lá.’ Outros disseram: ‘Vamos efetuar o Salát, pois essa não foi a intenção do Profeta ﷺ.’ Esse caso foi relatado ao Profeta ﷺ, e ele não censurou nenhum dos dois grupos.” (Bukhári, Hadisse – 946).
COMENTÁRIO:
Neste episódio, houve duas interpretações legítimas da mesma instrução profética:
1- Um grupo entendeu que deviam realizar o Salát dentro do tempo prescrito, mesmo sem ter chegado a Banu Qurayẓah.
2- Outro grupo seguiu literalmente a ordem e realizou o Salát apenas ao chegar, ainda que fora do tempo.
ALGUNS PONTOS DE REFLEXÃO SOBRE ESTE INCIDENTE:
1 – Esse Hadisse mostra claramente que, mesmo na presença do Profeta ﷺ, houve diferença de entendimento entre os Ṣaḥábah — e ambos os lados foram aceitos.
2 – O Profeta ﷺ não repreendeu nenhum grupo, ensinando que, em casos onde o texto pode ser interpretado de forma diferente, há espaço para interpretações legítimas.
3- O fruto dessa divergência foi a tolerância, e não houve censura, insultos ou inimizade entre os Ṣaḥábah. Este é o espírito do Isslām ao lidar com ikhtiláf (diferenças jurisprudenciais): respeito mútuo, boa intenção e harmonia comunitária.
4- Este episódio mostra que quando há esforço sincero (ijtihád) para compreender a instrução do Profeta ﷺ, mesmo que os resultados sejam diferentes, ambos podem ser válidos. Isso ensina tolerância e reconhecimento da legitimidade de múltiplas opiniões dentro da Shari’ah.
Assim também deve agir o diretor de uma Madrassah: como um exemplo de sabedoria, equilíbrio e respeito mútuo nas questões que têm base válida na Shari‘ah.
Mais ainda, o diretor deve lembrar-se do ensinamento do Profeta ﷺ durante o seu último Ḥajj — o Ḥajjatu Widá’ʿ, onde ele declarou diante de uma grande multidão :
“Ó pessoas! Vosso Senhor é Um, e vosso pai (Ádam) é um. Nenhum árabe é superior ao não-árabe, nem o não-árabe ao árabe. Nenhum branco é superior ao negro, nem o negro ao branco — exceto pela taqwá (consciência de Allah).”
(Mussnad Aḥmad, Hadisse – 23489).
Essas palavras eternas do Profeta ﷺ ensinam que a base do relacionamento entre os muçulmanos é a igualdade, a humildade e o auxílio mútuo — e não a imposição de poder, orgulho ou controle.
O líder de uma instituição Isslâmica, como uma Madrassah, deve ser o primeiro a se inspirar nesse modelo: promovendo respeito mútuo, modéstia, tolerância e ajuda recíproca, mesmo quando há diferenças de opinião. Impor uma única visão em questões divergentes e reprimir outras opiniões válidas é uma forma sutil de superioridade e vaidade, que o Profeta ﷺ condenou com veemência em seu último discurso.
E algo ainda mais triste e digno de reflexão é que, em muitos contextos, até mesmo os não muçulmanos demonstram tolerância com os muçulmanos, oferecendo dispensa para ambos os dias de ‘Ide, reconhecendo a diversidade das práticas. O mínimo que se espera de uma instituição Isslâmica é igual ou maior respeito pelas diferenças baseadas na própria Shari‘ah.
Portanto, é esperado do diretor que aja como um educador que lidera pelo exemplo de humildade, escuta e equilíbrio, e não com imposições em assuntos que a própria Sharí‘ah permite múltiplas abordagens.
Que Allah ﷻ nos proteja de Ulamá corruptos que usam a religião para os seus próprios interesses, em vez de serem guias sinceros para a Ummah.
هذا ما تبين لي والله أعلم بالصواب
Mufti Ismail Abdullah Ismail
Daarul Iftá – Beira
12 de Zhul Hijjah de 1445
08 de Junho de 2025
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